- Então a senhora também estava entre os frequentadores do Catuca?
- É sim sinhô, dotô.
- E onde é que fica esse antro?...
- Esse o quê, dotô?...
- Esse Catuca! Onde fica?
- É bem ali, na Praça, pertinho do metrô...
- Sei...
- ...Tem uma portinha onde nóis entra e dá de cara com uma escada compriiiida... O Catuca fica lá em cima.
- Sei... E você não acha que aquilo não é lugar para senhoras?!
- O que é que o sinhô tá pensano, dotô? O Catuca é um lugar de munto respeito!
- ... Muuuito respeito!
- Maisi é!... Lá é tudo munto certinho, sabe? Tem inté segurança... O Monstrinho e o Tião Machadinha tão sempre fazeno a porta do Catuca. Lá, num entra carqué um não sinhô... Tô lhe dizeno: o cavalhêro pra entrá lá tem que passar por aqueles dois, - e eles óia tudo. Manda tirar sapato, meia, óia dentro das cueca, - às veis óia inté os furingo!!
A gargalhada é geral.
- Uai, mas do que tão rino?...
- Senta aí, Maria. Vamos conversar... Então, você acha mesmo que um lugar onde os frequentadores são obrigados a tirar a roupa para provar que não estão armados, ou portando drogas, é um lugar de respeito? Você não acha estranho, isso? Se o tal Catuca fosse assim um lugar tão bom...
- Ah, já entendi! Porque eu sou pobre, o senhor tá achano que eu sou burra, né mermo?- Não foi isso que eu disse.
- O sinhô acredita mermo que um lugá onde só vai pessoas pobre, sem grana assim feito eu, - pretinhos retinto, assim feito eu -, que não pude estudá, tem alguma coisa de parecido com esses lugá que rico vai pra bebê e dançá?
- Não foi isso que eu quis dizer...
- Dotô, pobre quano "dança" tá morto. Pobre só dança feito rico em baile fanqui e em quadra de escola-de-samba. Dança tumém quando a puliça tá atirano nas perna dele...
O distrito é sacudido por mais gargalhadas.
- Ói dotô, no resto do mundo eu num sei porque eu vim cum minha mãe, do interiô, inda minina, e só cunheço o Boréu, o Morro da Formiga, o dos Macacos, o do Juramentinho, a Rocinha, onde mora um tio meu, e o Buraco Quente... - nunca saí daqui. E aqui, o sinhô sabe: juntô meia dúzia de pobre preto, já tão ligano pro disque-denúncia. E, com todo o respeito dotô, a puliça não tá pra brincadêra, não! Primeiro atira, dispois pergunta. Se arguém morrer, foi bala perdida, ou foi nóis que atirô.
- As coisas não são bem assim como você está dizendo...- As veis é pior...
- Qual é o seu nome todo, Maria?
- Maria da Conceição Silva, mas todo mundo me chama de Maria Resorve.
Mais gargalhadas.
- Maria Resolve? Por que... Resolve?
- Dizem que o meu bico é pra lá de melado... Que eu levo todo mundo na cunversa... E quano num dianta... Eu dô meu jeito de aresorvê as parada. Fazê o quê?
- Sei... Resolver, assim, como você resolveu lá no Catuca...
- Eu tenho que me cuidá, dotô! Que ninguém pense que porque sou mulé, pobre e preta eu dô mole pra marmanjo, não. Mar num dô mermo! Num sô de levá desaforo pra casa.
- Não é você mesma quem diz que o Catuca é um lugar tranquilo, de respeito; ninguém entra armado; que o Monstrinho e o Tião Machadinha etc e tal?... Eles não revistam as mulheres?
- Tá bão, dotô... Eles revista as dama. Mas é que eu já vô no Catuca faz um tempão... Eles me cunhece. Sabe quem eu sô. Sabe que eu sô de boa paz...
- De boa paz? E o que é isto aqui?- Meu canivete sim sinhô, dotô.
- E isto aqui, Maria?
- Meu três-oitinho sim sinhô, dotô.
Mais gargalhadas...
- Oito pessoas no Hospital Souza Aguiar - duas com ferimentos a bala e uma com o supercílio cortado por caco de garrafa, três presuntos fatiados a canivete, um tiroteio de fazer inveja a qualquer país em guerra, e quem começou tudo isto?...
- Fui eu sim sinhô, dotô. O sinhô pode liberá o Mata-Cavalo, o Rabo-de-Arraia, o Navalhinha e o Fica Frio que a curpa é toda minha.
- Sei...
- ...Eles só queria me dá cobertura pra eu pudê fazê os serviço direitinho nos cavalhêro que me apurrinhô. Eles biliscarum minha bunda, ficarum dizeno que eu era a negona do rabo grande e eu fui bebeno,... bebeno,... e o sangue foi subino,... subino pra minha cabeça...
- Sei...
- E aí,... o sinhô sabe como é... Minha bunda é mermo munto grande mar, quano saio, num posso largá ela em casa... (Mais gargalhadas...) Eles tava falano um monte de merda pra mim. E num se pode fazê fritada sem quebrá os ovo, né mermo? Mas isso num é mutivo pra fechá o Catuca não, dotô... Me prende, mas num fecha o Catuca, não. Se o sinhô fechá o Catuca metade dos meus amigo vai ficá sem trabaio. E os ôtro, num vai ter um lugá sério pra se distraí... Eu num tô mintino. O Catuca - eu juro! - é um lugá de munto respeito... O sinhô vai lá carqué dia desses e dispois me diz...
ju rigoni (Nov/1999)
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3 comentários:
Isso é demais, ju !!!!!
Senti-me no Rio de Janeiro, num
daqueles distritos...que cena tão
real e tão hilária. Fui lendo, rindo,
imaginando a cara da Maria e a do Delegado. Maria convence: o Catuca vai continuar e o delega vai ser assíduo...frequentador...kkkkkkkk..
Beijinhos e inté...
Ju, matando a saudade das suas letras, encontro esta deliciosa crônica do nosso querido Rio. Os conceitos das comunidades e do asfalto são bem diferentes e você soube abraçar este ponto na narrativa muito bem. Parabéns!
Beijos,
Marise
gostei tanto, Ju!
foi como estar aí, com o rio ao fundo
um beijo
manuela
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