sábado

Melado, Queijo e Rapadura

Cé azú, brasa no chão.
Inté a parca verdança
tem pó vermeio grudado
nos talo cor de esperança.
Os cacto espinhado,
as pôca fôia das árve,
têm a cor da chaga viva.

As ave - ocê tem razão -,
num tenho visto mais não!

Os minino tão magrim...
Inguá gado em pasto seco.
As pessoa, gente boa,
que nóis pode confiá,
tudo cheim d'esperança,
qui nem quando eu, mais moço,
aresorvi me mudá.

Inda tem porcissão
pra mó de agradá os santo!

Mainha, munto veinha,
já num pode mais andá.
Painho, no oitão da casa,
os óio pregado na estrada,
inda parece esperá...
Os mano tudo casado,
- as muié embarrigada -,
é dez minino pra cada.

As sina indé pesada,
as pessoa é bem mais leve.
Os gesto num é tão largo
feito é lá na cidade,
mas tumém nem é perciso...
Os passo indé curtim,
o tempo indé devagá,
só a fome anda dipressa:
matô o Zé Zeferino,
e a famía todinha
do Antonho Antonino.

Inté falei pros amigo
da tar crise do governo.
Acharum mar munta graça...
Num sabem o que é cpi,
persidente, inmunidade,
- pensarum fosse comida!
E quano garrei a expricá
disserum que vortei letrado.
Só conhecem deputado
que aparece correno,
quando a chuva se recolhe,
pra dá farinha por voto
e levá nossas minina.

Quano contei dos mião
que ovi na televisão,
os óio deste tamanho!,
acharum qu’io endioidiava,
qu’io tinha fumado as erva
que sobra lá nas carçada
da cidade indinherada:
- Arguém é tão rico, ó xente?!

Quano tem munta disgraça
tem uns repórte que passa
c'us saquinho do miojo,
aquele macarrãozinho
que vende lá nus mercado,
e que eles distribui
em troca dum cunversê
e dumas pose engraçada
pras máquina de retrato
e pros firme que eles faz.

Debaixo do só ardente
munta casa que é de barro
arriba dos quengo da gente,
dano sustança a minino
que esfarofa as parede.

- Sai da rede e faz a mala!
Vamos embora, afilhado!
Por aqui nada mudou,
vamos voltar pra cidade.
Você já matou a saudade.

Num carece convencê
daquilo que eu posso vê
c'os óio que esta terra
cum certeza há de cumê.

Madrinha, pensei bastante,
e num vô vortá mais não.
Minha raiz tá fincada.
I'o num quero mais fugi
dos traçado do distino.
A cidade é ôtro mundo,
mainha diz que é do demo...

Ocê vai e eu fico
inté quando deus quisé...
Cansei de virá cimento!
Cumê má, chorá, rezá...
Meu povo sabe de có,
num carece decorá.

Di veiz em quando ocê vem
pra vê nóis e proseá.
Num traiz notiça ruim
que nóis tamu protegido
daqueles tiro bandido
que garra gente na rua.
Acá num percisa voto
pra tê ou num tê revólvi,
us cabra-macho safado
aqui nóis passa na faca
i os carcará faz o resto.

Traiz só as coisa bonita,
as coisa que vale a pena,
as coisa do coração,
que, na nossa inguinorânça,
nóis sabe bem o que é bão!

Às veiz nóis se faz de bôbo
mas sabe que um mais um
vai sê sempi menos um.
Nóis veve fazeno conta
de somá, diminuí...
Nóis divedi munta coisa,
inté o que nóis num tem.
Mutipricá? Só a fome,
a sede, o cansaço da lida,
munta oração, e a esperança
que deita cum nóis na rede.

Na cidade - isso eu vi! -
ninguém sabe dividi.
Adispois, nóis é que é burro!

Vá, madrinha querida,
veve lá a tua vida,
aquela vida currida,
que eu por aqui vô parano,
tratano de me acomodá
num canto do chão, na lida,
na pureza, na lindeza
do lugá onde eu narci.

Ocê iscolheu sofrê,
nóis veve pra contemprá...

- Vá cum deus e nossa sinhora!

ju rigoni (em set/2005)

N.A. Transcorrendo num cenário provavelmente bem conhecido, Melado, Queijo e Rapadura tenta misturar num mesmo texto a sedução, a beleza dos falares de algumas regiões do Brasil.


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